segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Entre as "leis divinas" e as "leis dos homens", onde ficamos nós, mulheres?


POR UM ESTADO LAICO, QUE GARANTA O DIREITO AO ABORTO SEGURO E GRATUITO PARA AS MULHERES! Leia EDITORIAL das mulheres do Enlace sobre caso do arcebispo de Olinda e Recife, que excomungou os médicos e parentes de uma menina pernambucana de 9 anos que, grávida de gêmeos, teve que abortar.

Ontem, dia 04 de março, às vésperas do Dia Internacional da Mulher, o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, excomungou os médicos e parentes de uma menina pernambucana de 9 anos que, grávida de gêmeos, teve que abortar.O sacerdote foi a público expor sua indignação, dizer que “as leis dos homens não devem estar acima das leis de Deus”. Isso porque o aborto da pequena foi autorizado pela Justiça “mundana” por cumprir dois requisitos para a legalidade dessa prática: a menina engravidou após ter sido estuprada por seu padrasto, que dela abusava sexualmente desde os 6 anos, e corria risco de morte. Aos olhos da Justiça “divina”, a recomposição da dignidade e da vida dessa criança não deve se sobrepôr a um dogma religioso.Das violências que pode sofrer a mulher, a sexual é das mais doloridas e humilhantes. É, talvez, a que deixa as feridas mais profundas, as mais difíceis de cicatrizar. O corpo é nossa interlocução com o mundo. É ele que nos faz sentir a vida, as dores, os amores e os prazeres que constroem o sujeito que, por sua vez, molda a sociedade. Assim, a submissão forçada do seu âmago, da sua parte mais íntima, é um ataque direto à civilidade, pois afeta de maneira irreparável a construção subjetiva da mulher agredida.
Para entender o efeito disso na sociedade, há de se constatar que a recorrência desse tipo de violência está longe de ser esporádica. Somente na cidade de São Paulo, diariamente, de 10 a 12 mulheres, de todas as idades, dão entrada no Hospital Pérola Byington, na região central, vítimas de violência sexual. As estimativas mostram que três ou quatro casos são de estupro - que, pela “lei dos homens” do Brasil, é configurado apenas quando acontece a penetração do pênis na vagina. Outros tipos de violência sexual são considerados “atentados violentos ao pudor”. A cada semana, pelo menos três mulheres que engravidaram, após serem vítimas desse tipo de crime, fazem aborto legal no hospital. Cerca de 40% das que são submetidas à cirurgia têm entre 10 e 17 anos, segundo dados da instituição. Especialistas estimam que, para cada caso de violência conhecido, entre cinco e seis mulheres guardam segredo.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 70% da mulheres do mundo já foram agredidas ou violadas.Uma criança foi violada, agredida, estuprada durante 3 anos. Seu sofrimento acabou apenas quando seu pequeno corpo esboçou as primeiras manifestações de maturação e fertilidade. Grávida de gêmeos, com seu quadrilzinho estreito e peito apertado ainda sem seios proeminentes, foi diagnosticada com risco de morte. Apesar da óbvia impossibilidade física e da evidente crueldade humana que seria deixar essa criança levar adiante a gravidez não apenas indesejada, mas fruto de uma violação contínua e que a marcará para sempre, um dos “representantes de Deus” no “mundo dos homens” julgou heresia a prática do aborto. Não bastasse todo o sofrimento anterior, essa jovem mulher foi, mais uma vez, vítima do patriarcado e do machismo intrínseco à nossa sociedade, manifestos na reação de dom José.O arcebispo de Olinda e Recife faz a interpretação das “leis divinas” desde o fundo de seu conservadorismo mais extremo. E se pronuncia publicamente, num caso delicado como esse, com a insensibilidade mais profunda que o homem pode carregar. Uma reação que expressa todo o acúmulo da opressão das mulheres.A fala de dom José Cardoso Sobrinho sobre o caso foi asquerosa. Duvidamos que o sentimento de qualquer mulher, ao ouvir suas declarações, tenha sido qualquer um mais nobre que o asco.Repudiamos a reação institucional da Igreja católica, expressa pela fala do arcebispo. Continuaremos na luta pela Legalização do aborto, pelo direito das mulheres de tomarem as decisões sobre seus próprios corpos, pela emancipação feminina. Ao mesmo tempo, manifestamos toda a nossa solidariedade à criança que foi vítima de estupro, à sua família e aos médicos que realizaram o aborto, evitando a morte por gravidez precoce e os traumas irreparáveis (além dos que já ficarão marcados) na vida dessa menina.Seguiremos na luta por nossa liberdade. E, antes de mais nada, EXIGIMOS o fim das crueldades impostas a nós pelo patriarcado, pelo machismo e o conservadorismo.

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