quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A teoria do valor e o duplo caráter do trabalho - João Machado

A teoria do valor de Marx constitui um ponto de partida fundamental para a compreensão da economia capitalista. Para desenvolver esta teoria, Marx começou constatando que a mercadoria é a forma elementar da riqueza capitalista. Em seguida, constatou também que a mercadoria tem um duplo caráter.

De um lado, ela é um objeto útil produzido pelo trabalho humano, que satisfaz determinadas necessidades (objetivas ou imaginárias, tanto faz); de outro, ela pode ser trocada por outra mercadoria (vendida para comprar outra mercadoria). Assim, a mercadoria é, simultaneamente, valor de uso (características físicas, utilidade) e valor de troca.

A análise do valor de troca é mais complexa. Primeiro é necessário ver que ele não é algo fortuito. Se uma mesma mercadoria pode ser trocada por várias outras e, logo, tem vários valores de troca distintos, as proporções em que ela se troca pelas distintas mercadorias não são obra do acaso. Têm uma lógica social, uma regularidade. Desta maneira, os valores de troca diversos de uma mesma mercadoria expressam um conteúdo comum. A este conteúdo, expresso pelos valores de troca, Marx chamou de valor da mercadoria.
Como se explica este valor? Como ele é determinado?
Para responder a esta pergunta, Marx começa negando a possibilidade de o valor poder, de alguma maneira, ser derivado do valor de uso, isto é, das características físicas ou da utilidade das mercadorias. Em primeiro lugar, porque quando alguém troca uma mercadoria por outra — por exemplo, uma melancia por uma lâmpada — é justamente porque não quer o valor de uso “melancia” e deseja um valor de uso distinto — no caso, a lâmpada. Os valores de uso não são o que há de comum na troca, mas sim o que é diferente (esta diferença é a razão da troca).
Além disso, e ainda mais importante: para os valores de uso poder ser base do valor, que é um conteúdo comum a diversas mercadorias e que, portanto, precisa ter um caráter igual, homogêneo, deveria haver neles, isto é, nas características físicas ou na utilidade das diversas mercadorias, alguma característica homogênea. É fácil ver que isto não acontece: se tomamos a utilidade, por exemplo, não faz sentido falar numa utilidade “em geral”. Uma coisa é a utilidade da água (serve para ser bebida), outra coisa é a utilidade da lâmpada (serve para iluminar). Não posso beber uma lâmpada nem me iluminar com um copo d’água.
Assim, Marx conclui que a única base possível para o valor é o fato de as mercadorias serem produzidas pelo trabalho humano.
Os próprios trabalhos que produzem mercadorias, no entanto, também diferem de mercadoria para mercadoria: existe um trabalho do agricultor, outro do ferreiro, etc. Neste sentido, Marx se refere ao trabalho concreto, útil. Mas acontece que o trabalho pode ser considerado como “trabalho em geral”, puro gasto de capacidade humana de trabalho, ou seja, como trabalho abstrato.
Não se trata aqui de uma mera maneira de analisar o trabalho: o trabalho abstrato tem existência real. Numa economia mercantil desenvolvida, isto é, numa economia capitalista, eu posso obter uma lâmpada tanto a produzindo eu mesmo, quanto produzindo outra coisa qualquer, e depois a vendendo para comprar a lâmpada. Se há possibilidade generalizada de trocas, o conteúdo concreto do meu trabalho torna-se indiferente. No fundo, o que interessa é apenas medir o gasto de capacidade de trabalho — o que, em última análise, pode ser feito a partir da medida do tempo de trabalho. Ou seja: não há sentido em falar numa “utilidade em geral” que poderia ser a explicação para o valor das mercadorias, mas há sentido em falar de “trabalho em geral”, trabalho abstrato, como base para o valor das mercadorias.
Assim, se a mercadoria tem um duplo caráter — valor de uso e valor, o trabalho que produz mercadorias tem também um duplo caráter — trabalho concreto, útil (base do valor de uso) e trabalho abstrato (base do valor).
A medida do trabalho pelo tempo exige, naturalmente, um cuidado: o que interessa é o tempo médio, socialmente determinado — o tempo de trabalho socialmente necessário. É a partir dele que o valor das mercadorias é determinado.

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